Carlos Eduardo Sodré | [email protected]
Evidente que o atual quadro brasileiro é tão lamentável quanto extremamente sério. Muito mais do que a maioria das pessoas possa imaginar. Seja no que diz respeito à questão política, ou econômica, ou no plano social, cujas sinalizações já se fazem no-tar mais expressivamente. Mas, também, pelo caráter inimaginável dos fatos e suas revelações, é comum pôr-se, nisso, volta-e-meia, uma pitada de humor que não ofusca nem de longe a gravidade da situação.
Há poucos dias, ouvi do queridíssimo amigo (meu e de mais de meia Bahia), Geminia-no da Conceição, desembargador aposentado, sobre os achados das apurações em curso no país, uma definição muito própria, ainda que com forte carga de humor: “Meu caro, quando se puxa uma pena, vem-nos uma galinha”… Verdade pura que se completa com o acréscimo, que ousei agregar: “e quando se puxa uma galinha, vem-nos um peru; e se puxarmos o peru, vem um galinheiro inteiro”…
Numa escalada que até parece interminável, as investigações derredor do que se tem como atos de corrupção vão se espraiando em espirais cada vez mais abrangentes a surpreender, por minuto, a quem por mais pensasse que fosse apenas muito ampla quanto à extensão, profundidade e anterioridade. E à sofisticação metodológica, acres-cente-se…
Uma ressalva se impõe, entretanto: há que se podar exageros e repelir ofensas à lei, já que temos como certo que estamos sob estado de direito. Essa história de que “os fins justificam os meios” pode saciar o apetite dos leigos e dos fanáticos ou hipócritas, mas não deixa de agredir, em ocorrendo, a consciência jurídica. E ninguém está acima do bem e do mal. Ninguém ! Nem julgadores…
Ídolos de barro, falsas vestais, antigos e novos “puritanos”, vão se multiplicando de cambulhada num crescimento tão galopante que ameaçam desmentir a secular exis-tência das exceções que invariavelmente existem para justificar as regras.
É tempo de revelações que certamente prosseguirão a despeito das maquinações que sabidamente se desenvolvem no breu das tocas buscando dar-lhes um final rápido. Mas, também deve ser tempo de reflexões para os que ainda pensam que, a despeito de tudo isso, o Brasil prosseguirá e a nação, por mais transmudações se operem, vai tendo que, caindo, levantando e tornando a cair para tentar reerguer-se, aprender com estes dias tão tempestuosos quanto amargos.
As lições dos tempos, com as quais os escritos bíblicos e a exegese dos historiadores e estudiosos do comportamento humano e da vida dos povos vão servindo aos contem-porâneos de ontem, de hoje e de sempre, desde longe nos chegaram dando a notícia do dilúvio do qual, consta que o Senhor teria se valido para “dar um freio de arrumação” na humanidade de então, sem querer aniquilá-la, selecionando, na “Arca de Noé”, es-pécimes que, ao baixar das águas, construiriam uma nova humanidade. Uma embar-cação grande para que de cada exemplar, ou casal deles, ali se acomodasse e sobrevi-vesse até que a ave que trouxe o ramo da oliveira certificasse haver amainado a longa tempestade.
2.
Os dias de hoje do Brasil, paralelizando e parodiando aquele momento da vida das so-ciedades humanas do remoto passado, parecem sugerir, ainda que no sentido figura-do, estejamos precisando, para nossa vida pública, e privada também, um novo “dilú-vio” que pudesse – até que tudo volte a ser como está, conforme é prudente imaginar… – proceder a grande faxina na alma e na consciência da brasileira humanidade, tentando alijar dali tudo (ou o mais possível se pudesse) o que produziu essa putrefa-ção transversalizada.
Assim é que – convenhamos – nada mais próprio do que aplicar-se a solução do dilú-vio em obséquio da grande faxina de que o país precisa e o momento reclama.
Há, entretanto, como “salta aos olhos “, uma constatação inafastável: a nova arca po-derá ser – como as apurações vão demonstrando – muitas vezes menor que aquela que o Senhor confiou a Noé…
Carlos Eduardo Sodré é Advogado.