Carlos Eduardo Sodré| [email protected]
Roque Aras – ex-deputado, procurador federal aposentado, arguto observador da cena política nacional e figura honrada – em texto recente publicado, revelou a sua triste constatação de que a corrupção que grassa na vida brasileira atinge todos os poderes, em todos os graus e instâncias, fazendo exalar uma podridão sem precedentes.
Dir-se-á que se exerce de forma putrefata numa transversalidade tão absoluta quanto surrealista…
Neste mesmo espaço, na última edição do ano passado da “Tribuna da Bahia”, ousei – com a concordância explícita de mais de três centenas de manifestações recebidas – desenvolver o entendimento de que a crise (ou crises?) brasileira tem raiz numa crise moral sem precedentes, começada, em tese, claro,”na casa de cada um de nós”, traduzida pela degradação dos valores morais e éticos, da própria família, um mal que cresce como que em espirais que se ampliam nos espaços maiores dos grupos vicinais, das comunidades, até chegar à amplitude da dimensão nacional, enquanto a ingenuidade de alguns ou a hipocrisia de tantos esperam por que em Brasília só tenha anjos e santos, como se fosse possível – repito – jacaré parir garça…
Claro e inafastável o reconhecimento de que há exemplares de homens decentes e honrados em to-dos os escalões tanto na vida social quanto na vida política, mesmo na vida econômica marcada pela competição argentária e por vezes feroz. A história mais recente ou mais remota em nosso estado, por exemplo, é referta de homens públicos de excepcional qualidade moral, feitos do barro que faz gente decente e digna. Para não exibir rol mais extenso, que há, permito-me mencionar dois nonagenários baianos: o Prefeito Virgildasio de Senna, com invejabilíssimos 92 anos plenos de lucidez e dignidade e o Governador Roberto Santos, chegando aos 90 no próximo 15 de setembro (que nós, baia-nos, deveremos festejar), exibindo vitalidade, esbanjando honradez e contínua e ativa devoção aos serviços da educação e da cultura.
Eles continuam presentes na vida pública, ainda que já ingressados na história, mesmo após haverem constatado que não podiam continuar a praticar, em detrimento de suas famílias e merecido descanso, o esforço de resistir na luta de, em meio ao lodoçal ético do país, não deixarem – igualmente o fazem as garças – que a dignidade alvar de que são feitos, um e outro, pudesse ser maculada pelo tsunami da degradação moral que inunda o nosso país.
Não há negar, destarte, que a corrupção desgraçadamente vai corroendo de forma avassaladora e ir-refreável as nossas instituições. A inversão de valores é tão grave que não me surpreenderá que de-terminadas palavras, algumas até escritas acima, terminarão excluídas do vernáculo pátrio, expelidas do organismo moral da nação, pois já se percebe com freqüência que muitos conceitos (honra, honra-dez, honestidade, respeito, dignidade, por exemplo) costumam deixar alguns interlocutores embarba-cados como se estivessem a ouvir palavras de outros idiomas…
Esses últimos acontecimentos da vida brasileira – em verdade – são, a um só tempo, tão extraordinariamente chocantes como demolidores, talvez, de alguns dos poucos pilares morais em que ainda se sustenta a nação. É gente querendo discutir política sem ler – nem ter lido – história, com opinião formada ao influxo de lavagem cerebral de canal de televisão; juiz e ministro de cortes de justiça dando voto, sentenças e acórdãos, qual mariposas, debaixo de holofotes de tvs, que antecipam posicionamentos e, ao serem sorteados para julgamentos, exibem a desfaçatez de não se darem por impedidos, além de consagrarem a justiça de “dois pesos e duas medidas” ; sistema partidário falido com partidos políticos enlameados do contínuo ao presidente, até que não disputam cargos majoritários para, à base da chantagem e da barganha, ficarem com os órgãos que mais arrecadam, onde dissipam o erário e saltam do barco do poder, como “ratos de porão de navio” ao perceberem que está “fazendo água”, para uma semana depois retornarem aos mesmos gabinetes, em alguns casos ainda encontrando nos toaletes os mesmos dentrifícios e escovas de dentes que houveram deixado… Por sabe-rem da nossa majoritária falta de memória, zombam dos que a tem por isso que ouve-se tantos “rotos falando de esfarrapados”. Pobre Brasil !..
Para nós que lutamos tanto, em todas as frentes, pela redemocratização do país, para ofertar-lhe uma carta constitucional que pudesse balizar a sua trajetória sócio-econômica e política, é desapontador a vermos rasgada por ministros togados e assistirmos infindáveis espetáculos diários, vergonhosos, de locupletação com o dinheiro público ! Só nos resta pedir a Deus muita fortaleza de ânimo para não permitir que a melancolia e a frustração das constatações nos faça descambar para os vórtices da desilusão dando razão ao vaticínio de Rui Barbosa, para rir da honra e termos vergonha de sermos honestos…
Só nos resta o consolo de ouvirmos a palavra de Paulo – o Apóstolo – e cultivando a quimera de que o país dos nossos netos possa ser menos pior do que os dias em que vivemos, hoje, esperarmos “contra toda a esperança” !
Carlos Eduardo Sodré é Advogado. Artigo publicado no jornal TRIBUNA DA BAHIA