Por Josivaldo Dias
Nesse momento, relembro em minha memória, os anos de 1991, aos 11 anos de idade, a travessia de canoa com meu pai, as margens do rio Cachoeira no distrito da Estiva no município de Itapé, Sul da Bahia nas cheias. Naquela época, apesar de gostar muito dos passeios com meu pai, a enchente era motivo de preocupação. A comunidade ficava em estado de alerta e era uma certeza como 2 mais 2 são 4, que no mês de dezembro a chuva vinha nos visitar. Eu tinha medo da água barrenta, as águas balançavam a canoa de um lado a outro, conduzidas por dois homens de remo que nos passava tranquilidade, em meio àquela ponte baixa encoberta. Mas, segurança mesmo quem me passava, era meu pai, na certeza de que todo sábado, traríamos pra casa na roça, a feira realizada na cidade.
Hoje, cerca de 30 anos depois, assisto de longe pela TV e redes sociais, o impacto desta enchente de 2021 na qual as ondas do Cachoeira foram altas, o suficiente para que as águas cobrissem todas as pontes e impedisse as travessias. Dessa vez, a água sem pedir licença, ocupou ruas, praças, jardins, residências, escritórios, prefeituras e deixou um recado importante: BENS E RIQUEZAS SE VÃO COMO AS CORRENTEZAS DE UM RIO.
Até agora, tivemos explicações importantes sobre os fatos científicos, do não escoamento da água das chuvas no fluxo ‘normal’, dos fenômenos da natureza, da climatologia e da influência do homem na terra. Porém, explicações fundamentais sobre a ignorância, o oportunismo, a fake news, a cultura de jogar lixos na rua e a falta de humanidade revelada nesta crise de excesso de água, estas aí… ainda não se tem notícias de explicação. E ainda bem que estes fatos foram exceção.
Bom! Como bons brasileiros, já é possível ver em ações nas ruas, a frase: “VERÁS QUE UM FILHO TEU, NÃO FOGE A LUTA”. Pegam na mão, não deixam a peteca cair, guiam a canoa para não virar e levam até margem segura. A semente da solidariedade nunca foi tão fértil neste tempo chuvoso. A bondade, àquela que não está escrita em livro – até por que esta, a história ainda vai ser contada – se tornou protagonista e exemplo. Tirou a lama, alimentou o corpo e alma, aqueceu o coração e virou esperança para quem perdeu tudo na enchente.
A água, indispensável para os seres vivos, mesmo quando chega da natureza e de graça, se for além do necessário, tem o potencial de fazer estragos, neste caso da Bahia teve papel crucial. Limpou as sujeiras debaixo do tapete que durava anos, removeu ódio, mágoas, mal hábitos e costumes, ao mesmo tempo em que propagou o amor ao próximo. A consequência desta enchente de água doce conseguiu unir tribos, comunidades, povos de classes diferentes e até os discordantes. Brotou uma nação mais solidária, comovida e atuante em prol da caridade que enche a maioria de nós de orgulho.
O milagre da travessia do ‘rio muito cheio’ entre uma margem e a outra já é anunciado e visto sem binóculos, mesmo antes das águas de verão, da chuva de março irem embora. Pena que alguns não tem a capacidade de ver, muito menos de atravessar. Chegam a recusar ajuda, realizando seus passeios turísticos como se vidas ao seu redor não estivessem em risco, pessoas sem teto, sem cobertor e sem comida. Ah! Esta ponte é longa e está encoberta para vencer o trajeto de imediato, ou descobrir um novo caminho.
O desastre do “temporal’ nas roças e nas cidades nas regiões baianas que desabrigou centenas de milhares de pessoas reforçaram as ideias de alguns economistas sobre o papel do Estado. Como aquelas do britânico John Maynard Keynes testada nas décadas de 1920 e 1930 nos Estados Unidos, de um Estado indutor, do pleno emprego que conserta os danos causados pelas crises de guerra, desastres sociais e econômicos. Ou então àquele Estado de bem estar social do leste europeu na segunda metade do século passado, pós-segunda guerra, onde as ações efetivas e subsídios agrícolas possibilitaram aumento da renda das classes menos favorecidas e trouxe a inclusão junto ao crescimento econômico. Ah! O individualismo e o liberalismo neste modelo com certeza, passam depois da margem.
Para não ir tão longe, e ficar bem didático, vamos relembrar o Estado Brasileiro dos primeiros 15 anos deste século. Sim! O Estado que uniu capital e trabalho, reduziu a pobreza através do aumento do consumo, gerando oportunidades com a produção e a educação. O Estado é o ente capaz de resolver crises estruturais, quando a onda de vez enquanto vem em forma de tempestade e fica sem controle pelos homens do remo. A recuperação das regiões alagadas e inundadas será essencial com o apoio, vontade política e bastante recursos financeiros do setor público.
Luiz Carlos Bresser-Pereira e Antônio Delfim Neto, economistas brasileiro, teóricos e ex-gestores públicos refizeram alguns de seus escritos sobre o papel do Estado na economia já algum tempo. Luiz Gonzaga Belluzzo e Ladislau Dowbor botaram mais tinta em suas canetas: o Estado é fundamental e não pode ser mínimo no modo de produção capitalista. Ele é máximo, basta sentir o frio na barriga da tempestade chegando para perceber.
O FILHO TEU NÃO PODE FUGIR A LUTA, OH NAÇÃO!
É meu pai! Se você estivesse aqui, poderia até gostar de ver. A canoa, um meio de transporte existente há centenas de anos que utiliza da força e da energia humana para se locomover, salvou muitas vidas nesta enchente. Juntou-se à ela os novos meios de transporte modernos como botes, jet ski, helicópteros, computadores e softwares. Apesar da tristeza, a transformação há de surgir. Com a disposição do povo, de líderes comprometidos, e a garantia das instituições consolidadas, os desalojados estarão a salvos e protegidos. Não teremos medo do futuro!
A perplexidade desta “cheia” levou à tona outros fenômenos…
A água baixou, mas as lições ficaram!
Josivaldo Dias é Economista, especialista em Planejamento de Cidades e mestrando em Desenvolvimento Regional e Urbano.