Por Ernesto Marques
Foi, rigorosamente, como disse o ex-ministro José Carlos Dias, o momento histórico da união entre capital e trabalho em defesa da democracia. Sem dúvida alguma, um fato da maior relevância, sobretudo pelo pacto mínimo e explícito que o documento propõe, desde o seu precedente inspirador.
O capital muito bem representado por mais de uma voz e todas, no essencial, afinadas com os discursos das representações acadêmicas e da sociedade organizada. Sem dúvida, um momento alto e muito representativo de um outro BASTA! Equivalente, em significados, a outros grandes momentos.
Mas isso é pouco, e precisamos deixar isso muito claro. Incondicionalmente, quem assina a Carta se compromete com a defesa da ordem democrática. Isso significa prometer e cumprir aos subversivos de agora, a Constituição, não o pau-de-arara.
Não basta sentir saudades da democracia quando ela está ostensivamente ameaçada. É preciso comprometer-se com ela eternamente, sem que a vida ou a morte das instituições nos separe como limite da convivência naturalmente difícil entre as classes opostas por natureza.
Não se pode discutir a relevância histórica deste 11 de agosto, mas o precedente de 1977 só eterniza a conhecida e surrada máxima que justifica o absurdo. Assim como o golpe de 1964 exigiu anos de preparação, o processo “kaftiano” que levou cavalgaduras ao MEC e nulidades à Justiça, entre tantos itens da vasta coleção de absurdos parvocratas, não começou com aquela bisonha sessão da Câmara dos Deputados, de 17 de abril de 2016.
Não basta se comprometer com a superação da ameaça da hora. Trata-se de nunca mais repetir o pato amarelo, que é irmão da mamadeira de piroca de 2018 – dois bons filhos da outra, e netos da Operação Bandeirantes.
A fina flor da elite financeira – ou produtiva, como queiram, esteve muito bem representada. Falou muito bonito, o grande PIB supostamente nacional. E a maior importância histórica foi ver Horácio Lafer Piva e tudo que ele representa assinando o bilhete azul do inominável. Sim! O chefe da firma dispensou o funcionário. Maravilhoso, mas é pouco.
É preciso que a “Zelite”, os segmentos representados por Piva e Setúbal entendam, inclusive a bem dos seus próprios negócios, que é preciso parar de odiar o povo brasileiro. É um imperativo ético que se impõe a quem lidera uma meia dúzia de famílias que comem e bebem muito mais da metade da riqueza produzida por mais de 200 milhões que arriscam, trabalham e empreendem.
Podemos sublimar verdades históricas, mas precisamos fazer uma espécie de DR de classe, com STF e tudo. Uma grande concertação nacional em que se restabeleçam, pelo menos os marcos das instituições imperfeitas construídas a duras penas e seriamente avariadas. Mínimas frestas institucionais que animem quem se anima e acredita na construção coletiva de uma sociedade menos injusta – já que falar em divisão justa da riqueza é prova de ingenuidade.
Pode-se atentar contra a democracia alvejando o sistema eleitoral de diversas maneiras. Depor um presidente eleito democraticamente com a força das Armas é no mínimo tão grave quanto depor uma presidenta reeleita pelo mesmo caminho legítimo das urnas, com um impeachment sem crime de responsabilidade.
A indulgência nada santa que talvez ajude as almas dos donos do capital numa espécie de progressão de pena no Purgatório, seguirá produzindo, sob a sincera gratidão geral da nação empobrecida, ações muito importantes em várias áreas da vida brasileira, como a cultura, por exemplo. Seus institutos e fundações serão atores relevantes em qualquer cenário, parceiros de primeira hora do empreendedorismo sem fim lucrativo e mesmo de ações governamentais. Mas é preciso parar de financiar golpes.
Texto, contexto e cenário… O 11 de agosto de 2022 foi a demissão do parvo-rei e do seu exército de néscios, mas isso é muito pouco diante de tudo que se reuniu sob aqueles arcos da Faculdade de Direito. A ficar só nisso, a data representará, também, uma monumental perda de oportunidade histórica de encontrar humanas convergências entre capital e trabalho.
O meio-dia de 11 de agosto de 2022 precisa – ou precisava…? significar, definitivamente, a meia-noite de 14 de maio de 1888.
Ernesto Marques é jornalista e radialista