Por Pedro Frizo | Economista
Um dos grandes desafios para a consolidação de ecossistemas de negócios vibrantes na Amazônia é assegurar o crescente envolvimento de agentes do setor privado. Empresas e indústrias dos diferentes setores produtivos, prestadores das mais variadas categorias de serviços e agentes financeiros são alguns dos tipos de atores privados que vemos poucas relações sólidas de parcerias celebradas com os negócios comunitários de impacto socioambiental, conforme indicam os dados do Desafio Conexsus, de 2018. Transformar este cenário é de vital importância nos dias de hoje.
O crescente protagonismo da agenda “ESG” (sigla em inglês para resumir práticas corporativas alinhadas aos temas ambientais, sociais e de governança) pode e tem sido visto por muitos como importante mecanismo indutor à participação do setor privado em questões associadas à conservação e ao desenvolvimento sustentável da Amazônia. Entretanto, análises e estudos realizados em diversas partes do mundo vêm refletindo justamente sobre como conceder bases mais sólidas, no que tange a agenda ESG, para estimular e ordenar o envolvimento de agentes privados com temas que, tradicionalmente, sempre se distanciaram do cerne de seus modelos de negócios.
Este mesmo desafio vale para o caso brasileiro, com um item adicional de complexidade: como promover conexões e relações de parcerias sustentáveis entre empresas, indústrias, agentes financeiros, prestadores de serviços e outros atores do setor privado com as comunidades e suas respectivas organizações que vivem, produzem, conservam e valorizam os recursos naturais dos nossos biomas? Longe de ser uma questão secundária dentro da agenda ESG no Brasil, a inclusão de aspectos relacionados à conservação dos biomas e promoção de uma sociobioeconomia é premente, uma vez que o país é fundamental no que tange aos temas da biodiversidade e regulação climática global, bem como tem a sua principal fonte de emissão de gases de efeito estufa em questões atreladas ao uso da terra.
Parcela importante das soluções para estas questões encontram resposta na consolidação de marcos regulatórios claros, voltados a parametrizar e normatizar condutas empresariais de responsabilidade socioambiental. Discussões recentes têm focado suas atenções na importância das instituições governamentais em: (I) promover um conjunto de critérios mínimo, que oriente as ações de responsabilidade e compromisso socioambiental, para empresas e indústrias, estimulando a transição para modelos de negócios onde questões de natureza socioambiental sejam tratadas muito além da perspectiva de “mitigação de externalidades”; (II) embasar e qualificar protocolos de auditoria e verificação de cumprimento de normas e regras socioambientais, contribuindo para a disseminação pública de informações associadas aos impactos existentes – e potenciais – de um determinado empreendimento.
Parte das análises existentes sobre o marco regulatório na agenda ESG traz algumas reflexões sobre a importância das instituições para a promoção dessa agenda. Como ponto de destaque, é do próprio interesse de agentes privados a consolidação de bases e mecanismos mais claros de auditoria, certificação e monitoramento das práticas corporativas. Em artigo publicado recentemente, o economista laureado com o prêmio Nobel por seus estudos sobre escolhas em situações de risco e acesso assimétrico a informações, Michael Spence, argumentou sobre a importância de arcabouços institucionais que reduzam a margem para comportamentos associados ao “greenwashing”¹, uma vez que estes trazem desincentivos generalizados para a adoção de práticas efetivamente alinhadas aos princípios ESG. Não são reduzidos os investimentos necessários para a consolidação de ações de responsabilidade e compromisso socioambiental. Neste sentido, incorrer em custos altos para a conversão de processos produtivos, de modelos de negócio, de relacionamento com fornecedores e outros procedimentos organizacionais somente recompensará mediante significativa diferenciação na responsabilização e vigilância legal entre aquelas que cumprem integralmente a legislação em curso e aquelas que o cumprem apenas parcialmente.
Atualmente, no caso brasileiro, há importantes regras direcionadas a fundamentar práticas de responsabilidade e publicidade entre agentes do setor privado. Parcela expressiva destas normativas estão associadas ao setor financeiro, com legislações que regulam desde critérios a serem observados para a concessão de crédito rural até categorias de informações socioambientais a serem divulgadas em relatórios corporativos. No que diz respeito especificamente às questões associadas ao relacionamento com comunidades e ao acesso a recursos da biodiversidade é possível argumentar que o arcabouço legal é mais tímido.
Alguns avanços nessa direção foram registrados nas últimas décadas, com a promulgação de algumas leis, portarias e planos nacionais. Entretanto, é possível argumentar que a legislação existente ainda está distante de atender os pontos críticos discutidos acima, uma vez que não está fundamentada em bases homogêneas e claras de comportamento e relacionamento entre agentes privados e organizações comunitárias. Um estudo recente publicado pela iniciativa Amazônia 2030, Climate Policy Initiative (CPI) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) faz importante apanhado do marco regulatório subjacente ao tema da bioeconomia, onde escancara-se o avanço ainda a ser perseguido no que diz respeito à consolidação de base institucional de parametrização e normatização das ações corporativas nesta temática.
Um caso ilustrativo deste ponto são os desafios iminentes para a implementação das diretrizes contidas na Lei 13.123/2015, que dispõe, entre outras questões, sobre a repartição de benefícios associadas ao uso de recursos genéticos e conhecimento tradicional. Estudos recentes apontaram importantes elementos da lei e de sua operacionalização que ainda não contribuíram para a superação dos altos custos de transação e dos riscos associados à pesquisa e desenvolvimento com ingredientes e ativos advindos da sociobiodiversidade brasileira.
Dessa maneira, dado o atual cenário institucional, presencia-se uma conjuntura onde o envolvimento e cooperação entre agentes do setor privado e comunidades ocorre majoritariamente naqueles atores corporativos cujos modelos de negócio estão fundamentados no acesso e uso de recursos da sociobiodiversidade como cerne da sua proposta de valor e diferenciação competitiva nos mercados. A reversão das atuais condições, de tal modo a consolidar um movimento mais amplo e uniforme de aterrissagem da agenda ESG com o tema da conservação e valorização dos biomas brasileiros, demandará processos de inovação institucional baseados em duas dimensões fundamentais.
A primeira destas diz respeito justamente à esfera legislativa, envolvendo não somente a adequação e revisão do marco legal existente, mas também no debate amplo e participativo em esferas públicas para a elaboração de novas regras e normas que venham a fortalecer a segurança jurídica das ações de ESG associadas à sociobioeconomia. É necessário (re)aproximar os atores que integram essa agenda no Brasil – de lideranças comunitárias a pesquisadores, profissionais das empresas e indústrias, ativistas e membros da sociedade civil, advogados e outras categorias de profissionais – para pensar e refletirem coletivamente sobre legislações que reduzam os custos de transação e incertezas associadas a processos compartilhados de produção, comercialização e valorização dos recursos naturais.
Outra dimensão importante é fortalecer a capacidade institucional de agências regulatórias com atuação diretamente associada à temática, o que certamente deve envolver a múltipla constelação de ministérios, secretarias, departamentos, conselhos e outras institucionalidades que, atualmente, compõem o conjunto principal de atores públicos envolvidos na governança da agenda de bioeconomia no Brasil. Consolidar as ações e critérios de due dilligence, bem como uma estrutura sólida de incentivos e estímulos econômicos, contribui para a consolidação de uma conjuntura de incentivos estruturais para os investimentos privados em ações de responsabilidade e compromisso socioambiental, concedendo maior segurança aos agentes privados quanto aos verdadeiros benefícios futuros dos recursos e esforços aplicados no presente.
¹ O termo “greenwashing” (em português, “lavagem verde”) refere-se a práticas de publicidade e propaganda que buscam posicionar determinada corporação como ambiental, correta e sustentável, muito embora a comunicação veiculada não seja compatível com suas práticas corporativas correntes.
Pedro Frizo é economista (ESALQ-USP) e mestre em sociologia (UFRGS). Artigo publicado originalmente no site da Conexsus- Conexões Sustentáveis.