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O apocalipse macetado no carnaval em Salvador

Valdemar Figueredo- ICL Noticias

Palavras de duplo sentido dependem do contexto para tornarem-se compreensíveis. Macetando nos blocos em Salvador pode ter conotação obscena ou sexual. Originalmente, recorrendo ao dicionário, tem a ver com golpear com instrumento de cabo curto. Há quem empregue o macetar para insinuar o uso de macete para se safar de determinada situação. Que o professor Pasquale não leve em conta a minha fantasia de linguista em plena festa de Carnaval.

Muitos cristãos compreendem o apocalipse como vaticínio de um Deus irado que fica vigiando os ponteiros do relógio da história para iniciar pontualmente a sua vingança. Visão de um Deus zangando que não vê a hora dos povos terminarem a evolução dos seus desfiles para finalmente entrar na avenida e com labaredas de fogo queimar geral. Na Quarta-Feira de Cinzas a comissão julgadora emite notas para o tormento de muitas escolas de samba e para a felicidade de poucas. O destino de uma agremiação pode ser definido por um décimo (0,1). Nessa versão, o apocalipse é o ajuste de contas final e geral em que as pessoas que caírem em exigência sofrerão a danação eterna.

A irmã Baby do Brasil é dessas que acredita no apocalipse como a revanche final. Anuncia no folguedo a eminente chegada daquele que vai acabar com a festa. Como se todos os que ali estivessem extravasando devessem temer o futuro próximo. Daí cita sem eira nem beira um texto bíblico em tom de profecia que fez lembrar a saudosa Baby Consuelo na versão colorida energética da Nova Era: “Procure o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto.” A ideia era fazer a multidão parar de dançar e começar a tremer de medo. Baby do Brasil evocou o apocalipse no tom maior da ameaça.

Diferente dessa concepção, o apocalipse pode ser lido na versão cristã enquanto sinal de esperança. Tendo a esperança como chave de leitura alguns cristãos olham a realidade histórica, por mais caótica ou injusta que seja, não como vaticínio ou destino. São teimosos, mas tão teimosos que chegam até a duvidar do poder da morte. Anseiam, lutam e vislumbram um novo céu e uma nova terra. A experiência com Deus não funciona como um anestésico ou como uma cápsula impermeável. Sentimos as delícias e as dores da existência e não nos foi permitido morar no monte da transfiguração (mística estática) distantes das contingências mundanas.

Muda não apenas a perspectiva histórica ou do futuro, mas, fundamentalmente, altera por essa visada a ideia que se tem de Deus. Na levada da esperança como enredo compreende-se que o Deus de amor não é um sujeito iracundo, que não tem jogo de cintura para dançar e cospe vingança.

Friedrich Nietzsche disse em tom de gracejo que não podia acreditar em um deus que não dance. Dom Hélder Câmara foi além. O bispo teve um êxtase espiritual nas ruas históricas de Olinda (PE) em pleno Carnaval. Diante da alegria popular da sua gente, como a chamar Deus para a roda de ciranda, chorou cheio de esperança de braços dados com os foliões enquanto mirava os olhos com córneas desgastadas no Deus de amor.

Valdemar Figueredo – é idealizador e coordenador desde 2017 do Observatório da Cena Política Evangélica pelo Instituto Mosaico (www.institutomosaico.com.br). Pós-doutorando em sociologia pela USP. Doutor em ciência política (antigo IUPERJ, atual IESP-UERJ) e em teologia (PUC-RJ). Pastor da Igreja Batista do Leme e da Igreja Batista da Esperança, ambas na cidade do Rio de Janeiro.


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