Por José Antônio Abreu Dutra | [email protected]
Até agora, tenho publicado pequenas reflexões ou publicações de outrem.
Senti, porém, necessidade, neste “retiro compulsório” a que nos encontramos, protegendo-nos e protegendo o próximo, de escrever algumas reflexões que me vêem à mente e ao coração.
Vamos supor: Um teatro cheio. Uma peça interessante no palco. De repente, um grupo de pessoas percebe um início de incêndio. Tentam apagar o fogo, mas já não é mais possível… Então, o que fazer?
Se gritar “Fogo!”, vai criar pânico geral… e muita gente morrerá, não pelo incêndio em si, mas pisoteadas pela multidão ensandecida… Se não fizer nada, a peça vai continuar e, distraídos, tanto o público como os atores podem morrer todos… ou quase todos.
O dono do teatro está sabendo da situação, mas pressiona as pessoas do grupo a ficar “na delas”. Ele teme ter que devolver o dinheiro dos ingressos e levar prejuízo…
Esse grupo, porém, quer salvar vidas. Elabora um plano de evacuação. No meio desse grupo, estão, também, membros da diretoria, que contrariam a vontade do proprietário. Estabelece-se um clima tenso de conflito.
Nem todos agem com prudência e um tumulto se cria no fundo do teatro. Foi muito difícil conter a ânsia de alguns e a insanidade de outros. Prevalece-se o equilíbrio e, apesar de algumas perdas de vidas, salva-se a maioria!…
Diante desta “pandemia” que nos assola o mundo, o que há, realmente, de PÂNICO e de RELAXAMENTO?
PÂNICO se mostra quando se esgotam as embalagens de álcool-gel, de máscaras de proteção e de papel higiênico nas prateleiras de supermercados e farmácias… Remédios pra outras doenças que, talvez, só TALVEZ, possam servir para esta, desaparecem do mercado, prejudicando quem precisa tomá-los…
RELAXAMENTO é minimizar o perigo e estimular o descuido: pessoas se aglomerando em festas, cultos, passeios, manifestações…
Tanto o PÂNICO como a RELAXAMENTO são perigosos. Ambas as atitudes causam mortes e danos…
No caso desta “pandemia” (que é quando uma moléstia contagiosa atinge o mundo todo), o que devemos fazer? ‒ Ter uma atitude equilibrada: Manter a calma e se isolar, ficar em casa… é a solução dada pelos especialistas para evitar o pior, já que não existe vacina para prevenir e nem remédio para tratar a doença.
Aqui não se trata de “lado político” ou “viés ideológico” ou qualquer outro apelido que inventam contra as lideranças que atuam na ocasião.
“Tudo é político, mesmo que a política não seja tudo” (diz o bispo Dom Pedro Casaldáliga). Claro que muito do que é feito e do que se deve fazer depende de decisões políticas e, querendo ou não, ficamos dependentes daquilo que as autoridades decidem e providenciam.
Afinal, fica, cada vez mais, provado, na prática, que o tão propalado “estado mínimo” não funciona, pelo menos para defender a vida da maioria dos cidadãos…
O problema são os INTERESSES.
Quem é cristão, conhece as palavras de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom.” (Evangelho de Mateus 6,24; cf. Lucas 16,13).
“MAMOM” é a transliteração da palavra hebraica que define o “DINHEIRO” (por isso, algumas traduções da Bíblia já colocam direto a tradução da palavra “Mamom”: “Dinheiro”), consequentemente, não se pode, ao mesmo tempo, servir a Deus e ao dinheiro, fazer do dinheiro um deus, praticar a “idolatria do dinheiro”…
O “deus acima de todos” do lema governamental é “mamom” e não o “DEUS PAI MISERICORDIOSO”, apaixonado pela humanidade, que Jesus Cristo veio revelar sua face para nós e que se encontra presente NO MEIO DE NÓS e não acima!
O dono do teatro em chamas, na parábola que contei, preferia colocar em risco a vida das pessoas para não perder DINHEIRO.
Esse é o problema.
Ricaços, em veículos caríssimos e luxuosos, fazem carreata contra o confinamento, porque suas madames morrem de medo de ter que ir para a cozinha e cuidar da casa e porque, principalmente, eles temem perder DINHEIRO!… E esse dinheiro só foi acumulado na conta deles porque eles exploraram seus trabalhadores (cf. Carta do Apóstolo São Tiago 5,1-6).
Como eles encaram o trabalhador apenas como “peça” para produzir e proteger seus INTERESSES, exigem a volta ao trabalho, com todos os riscos que daí decorrem…, enquanto eles mesmos permanecem protegidos… e, como possuem mais recursos, se a doença chegar até eles, têm como se tratar melhor…
A calamidade brasileira é anterior à do “vírus corona”. É a calamidade desumana da DESIGUALDADE SOCIAL. Essa desigualdade que produz “ricos cada vez mais ricos, à custa de pobres cada vez mais pobres”, como disse o Papa São João Paulo II, ao fazer a abertura da Terceira Conferência Geral dos Bispos da América Latina, em Puebla, no México, em 1979.
“Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitos desejos loucos e nocivos, que afundam as pessoas na perdição e na ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” (1ª Carta de Paulo a Timóteo 6,9-10).
Com esse pensamento, com certeza, o Apóstolo São Paulo seria hoje acusado de ser “comunista”! E não somente ele, mas o próprio Jesus; como muitos profetas bíblicos; o Apóstolo São Tiago; o nosso Padroeiro Arquidiocesano, São João Batista, e, até, Maria, a Mãe de Jesus, ao rezar o Magnificat! (Cf. Evangelho de São Lucas 1,52-53)…
Um fenômeno se propagou também: o pobre que defende a sua própria desgraça!
Às vezes, há pessoas que se sentem até ofendidas quando a gente faz esse tipo de análise sobre os ricos, imaginando que está se referindo a elas… Fizerem uma verdadeira “lavagem cerebral” em muitos pobres, para que eles defendam com toda a força da alma os interesses dos ricos, mesmo que seja prejudicada sua própria vida!
Certa vez, numa homilia sobre o episódio evangélico conhecido como “o Jovem Rico” (Lucas 18,18-30; cf. Marcos 10,17-31 e Mateus 19,16-30), citei uma frase de São João Crisóstomo, um bispo da antiguidade da Igreja, época dos chamados “Pais da Igreja” ou da “Patrística”… Ele dizia: “Todo rico é ladrão ou filho de ladrão”. Esta afirmação faz eco à já citada Carta de São Tiago 5,1-6. São Tiago ainda acrescenta que o rico é assassino também! (Cf. versículo 6). Naquele tempo, quem se “ofendeu” com o santo bispo, por causa desta e de outras afirmações suas, foi o Imperador de Roma… São João Crisóstomo morreu no exílio, no ano 407 d.C.…
Nem mesmo prestaram atenção de que eu estava citando uma frase já dita há mais de quinze séculos atrás… Eu estaria, naquele momento, insultando os ricos, usando linguagem ofensiva! Pessoas POBRES foram quem “tomaram as dores” dos ricos, sentindo-se, elas mesmas, afrontadas!…
Para a Bíblia e a Doutrina Social da Igreja, a riqueza e os recursos que existem no mundo não precisariam ser CONCENTRADOS nas mãos de uns poucos privilegiados, deveriam ser usados para possibilitar uma vida digna para todos. A NECESSIDADE tem que ser atendida e não a GANÂNCIA. “Os cristãos tinham tudo em comum…” (Cf. Livro dos Atos dos Apóstolos 2,42-47).
Por isso, precisamos investir mais na FORMAÇÃO. O povo católico não conhece a DOUTRINA SOCIAL da sua própria IGREJA, fica aceitando e propagando “teorias de conspiração” e falsas interpretações bíblicas, que aparecem, principalmente, nas mídias sociais! “Porque meu povo se perde por falta de conhecimento.” (Profeta Oseias 4,6a).
José Antônio Abreu Dutra é padre na Paróquia de Santa Teresinha do Menino Jesus – Fonseca, Niterói, Rio de Janeiro.