Por Emilio Chernavsky | Economsita
A emenda constitucional n°95 aprovada pelo Congresso no final de 2016 limitou por vinte anos a despesa primária da União aos valores pagos naquele ano, corrigidos apenas pela inflação. Como a população do país cresce, a introdução de um teto às despesas totais do governo significa, na realidade, sua redução em termos per capita.
Como além de crescer, a população também envelhece e certos gastos públicos dentre os mais vultosos como os relacionados à previdência e à saúde necessariamente continuarão a aumentar, os recursos disponíveis para as demais áreas terão que cair, fazendo com que sua redução per capita seja ainda mais severa. Finalmente, deve-se considerar que essa redução, imposta pelo teto, se dá sobre um gasto per capita que hoje é três a quatro vezes inferior ao registrado em países que possuem um sistema de bem-estar social semelhante ao previsto na Constituição brasileira.
A evidente impossibilidade de sustentar esse sistema nos próximos anos com o congelamento dos gastos e com o aumento das demandas acentuando sua crônica carência de recursos tem levado vários analistas no campo progressista a prever que o governo eleito em 2018, qualquer que seja sua orientação política, se verá rapidamente obrigado a rever o dispositivo constitucional que introduziu o teto, sob pena de não conseguir cumpri-lo já em 2019.
Essa revisão seria, portanto, “inevitável”. Tal previsão, contudo, mostra-se questionável quando levamos em conta um conjunto de iniciativas e declarações de representantes do atual governo e de parlamentares com respaldo em relevantes setores do empresariado que sugerem que outro tipo de resposta ao risco de violação do teto, baseada na redução estrutural dos gastos por meio de importantes alterações em dispositivos legais e constitucionais, está em gestação.
Com efeito, excetuando as despesas financeiras, todos os maiores grupos de gastos têm sido esquadrinhados nessa perspectiva. A Previdência Social tem sido objeto de recorrentes propostas de reforma, e não deve surpreender que uma especialmente draconiana seja tentada pelo novo governo. A saúde pública tem visto propostas de plano de saúde “popular” em substituição parcial ao SUS saírem do próprio ministério, ao mesmo tempo em que parlamentares participam de seminários onde se propõe um “novo sistema de saúde” em que a rede pública atenderia apenas 50% da população.
Na educação, afetada por cortes profundos no orçamento das instituições federais e de programas como o FIES, surge também do próprio Ministério a proposta para permitir que até 40% da carga horária total do ensino médio possa ser realizada a distância. Em relação aos gastos de pessoal, o Governo Federal propõe programas de demissão voluntária e de licença e redução de jornada incentivadas, ao mesmo tempo em que tramita aceleradamente no Congresso projeto que acaba com a estabilidade dos servidores públicos.
Essas propostas de reforma têm surgido ao mesmo tempo em que são levados a cabo extensos cortes orçamentários em programas que atendem a milhares, ou mesmo milhões de pessoas. Como notório exemplo, o valor empenhado do Bolsa Família, apesar da grande visibilidade e imprescindibilidade do programa com a continuidade da crise econômica, sofreu queda real de 13% desde 2015. Se implantadas, as reformas tornam provável que na maior parte dos próximos vinte anos o teto dos gastos não seja violado. E mesmo que o for, as “sanções” previstas (vedação de contratar e elevar a remuneração ou vantagens de servidores, de criar cargo e alterar estrutura de carreira que implique aumento de despesa, e de criar ou elevar despesa obrigatória) não parecem suficientes para que seus defensores decidam revisá-lo. Ao contrário, são um incentivo, já que sua aplicação contribui com o objetivo do teto, viabilizado pelas reformas, de reduzir progressivamente a parcela do gasto público na renda nacional e, assim, a capacidade do Estado de reparar injustiças históricas e promover uma sociedade menos desigual.
Por isso, se o próximo governo seguir a política econômica atualmente trilhada, não são as necessidades orçamentárias do Estado que tornarão a revisão do teto inevitável, mas, sim, é o cumprimento do teto que servirá como pretexto para tornar inevitável o desmantelamento do Estado de bem-estar social previsto na Constituição e que vinha sendo duramente construído nas últimas décadas.
Emilio Chernavsky é doutor em economia pela USP
Publicado originalmente no site Brasil Debate.