Por Eduardo Antonio Estevam Santos
O termo comunista não é tão polissêmico quanto se apregoa no dia-a-dia desta crise política institucional. O seu uso mais banal aconteceu recentemente quando o bispo diocesano Dom Odílio Sherer foi agredido por uma mulher ao final da missa. Aos gritos, ela dizia: “Você e a CNBB são comunistas infiltrados; não podem fazer isso com a minha Igreja”. Em seguida avançou sobre o cardeal e arrancou sua mitra, derrubando-o ao chão e ferindo-o no rosto. Dom Odílio, comunista? Situação no mínimo risível e totalmente fora de contexto. Um bispo reconhecidamente conservador em suas práticas, cuja última façanha foi impedir a instalação da Cátedra Michel Foucault na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Diante de tal episódio, a comicidade só não é tamanha por que sabemos da formação social patrimonialista e clientelista da classe média brasileira e das suas astúcias para manter e garantir privilégios. Na verdade não há confusão no uso do termo, mesmo reconhecendo que o nível de politização dos manifestantes de rua, “por um Brasil melhor”, é quase inexistente.
A denominação Comunista, usado como ofensa e estigma, é uma metáfora, que expressa pensamentos, ideias, posições, extremamente reacionárias dos indivíduos e grupos que a postulam. É uma generalização excessiva. Comunista é um bode expiatório, cujo efeito é transformar todas as práticas, pensamentos e ações de esquerda – em suas pluralidades de projetos políticos -, responsáveis por todos os males, leia-se a corrupção endêmica. O sentido original do termo encontra-se no livro Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848: “os comunistas podem condensar a sua teoria numa única expressão – supressão da propriedade privada”. Mas, não convém discutirmos sua terminologia.
Essa reinvenção grotesca do termo Comunista, nesses tempos de golpe civil-parlamentar mediado pelo judiciário partidarizado/imprensa, serve também, para diferenciar na ficção dos golpistas, os “verdadeiros brasileiros” dos “brasileiros traidores da nação”, para criar campos, eixos, grupos estanques, alvos determinados, bem ao gosto das táticas fascistas. Vale lembrar que as nações não produzem conflitos e sim suas instituições. A realidade sócio-histórica brasileira é complexa por demais para ser forjada por uma única categoria maniqueísta. A força persuasiva deste vocabulário estar na reação às transformações do mundo dos valores e das políticas de identidades em curso, na ampliação do espaço público para sujeitos que sequer tinham direitos a ter direitos.
Pra encerrar, esse termo deve ser usado por quem de fato, entre outros, luta pela sua materialidade. Convidado para participar de um seminário sobre Reforma Política na cidade de Fortaleza, João Pedro Stédile foi ostensivamente agredido em meio a xingamentos e palavras de ordem, passado o episódio, à noite, ao iniciar a sua palestra, disse: “Eles não sabem que ao me chamarem de Comunista, estavam na verdade me elogiando”.
Eduardo Antonio Estevam Santos é graduado pela UESC é doutor em História Social pela PUC-SP.