Na campanha eleitoral, sobravam ataques ao mau uso de dinheiro público. Agora, com mandato, deputados do Novo têm repetido velhos hábitos da política tradicional.
O uso de auxílio-moradia, demonizado nas propagandas partidárias, atraiu pelo menos um parlamentar. Os excessivos gastos com passagens aéreas também chegaram à bancada e se estendem a assessores.
Em meados de maio, na comissão do Orçamento, o deputado federal Lucas Gonzalez, de Minas Gerais, perguntou ao ministro Paulo Guedes (Economia) o que os parlamentares deveriam fazer para dar exemplo e se responsabilizar pelos gastos em seus gabinetes na Câmara?
Líder de despesas com a cota parlamentar dentro da bancada do Novo, Gonzalez tem em sua prestação de contas a compra de bilhetes aéreos para uma assessora, a mesma que usou transporte por aplicativo pago pela Câmara, em um domingo, para ir a um shopping de Brasília.
Cada deputado tem direito a uma cota para cobrir custos com passagens de avião, transporte terrestre, combustíveis, divulgação da atividade parlamentar e consultorias, entre outros. O valor varia conforme o estado do parlamentar.
Em média, Gonzalez gastou cerca de R$ 18 mil por mês -próximo à média de bancadas de partidos mais antigos na Câmara. Os 27 deputados do DEM tiveram uma despesa média de R$ 20 mil no mesmo período -muitos deles usaram bem menos da cota. O gasto médio no PP foi de R$ 23 mil.
“Auxílio moradia, combustível e paletó não têm espaço em um governo Novo. A gente entende que dinheiro público deve ser usado em benefício do cidadão, não para sustentar mordomias e privilégios de políticos e funcionários públicos de alto escalão”, disse, durante a campanha eleitoral, o então candidato à Presidência pelo partido, João Amoêdo.
Alexis Fonteyne (SP) foi eleito deputado federal pelo Novo. Ao chegar a Brasília, não abriu mão da ajuda de custo para moradia, financiada com dinheiro público. Foi o único a fazer isso na bancada do partido.
“No processo seletivo [para ser candidato do Novo], na entrevista, quando fui perguntado se estava disposto a abrir mão dos privilégios, falei que com certeza. Vou pegar passagens aéreas, porque minha família mora em Campinas. Minimamente, para ser deputado federal, eu quero voltar e ver minha família e também porque eu não tenho casa em Brasília”, disse Fonteyne, em vídeo em rede social para prestar contas.
Em três meses de legislatura, ele gastou R$ 28 mil em bilhetes aéreos, inclusive para assessores. Para uma mesma corrida com aplicativos de transporte, o deputado do Novo pediu reembolso à Câmara duas vezes: uma com gorjeta e outra sem gorjeta ao motorista. Em fevereiro, cinco corridas viraram dez. Um custo extra de R$ 200.
“Temos que olhar a grande fotografia, senão a gente estabelece dentro do partido uma Gestapo, uma polícia paralela”, comentou no vídeo de maio.
Integrante do conselho de ética da Câmara, Gilson Marques (SC) desembolsou R$ 800 mensais no que seria a Assinatura de Publicações da empresa “Gazeta da Tarde”, de Campina Grande, Paraíba. O dono da empresa é um estudante que escreve para um site, Portal Libertarianismo, com ideias alinhadas à do partido.
Em março e abril, o pagamento foi feito com duas notas fiscais diferentes, mas emitidas no mesmo dia e com uma diferença de apenas nove minutos entre elas. No documento, consta que o serviço prestado pela Gazeta foi de assessoria ou consultoria.
Em média, cada deputado do Novo gastou R$ 7,3 mil por mês. É um valor abaixo do registrado pelos demais partidos da Câmara. A análise das despesas, porém, mostra que, nos gabinetes, a prática é diferente do pregado durante a busca por votos nas eleições de outubro.
O salário de um deputado é R$ 33,7 mil. A remuneração de um assessor parlamentar pode chegar a R$ 15 mil. O auxílio-moradia é de até R$ 4,2 mil e não entra na cota parlamentar.
OUTRO LADO
A Folha de S.Paulo procurou os cinco deputados do partido Novo com gastos que divergem, em algum ponto, do discurso do partido.
Três deles responderam. Lucas Gonzalez (MG) diz não ver os “gastos indicados como privilégios, mas sim como uso da cota dentro dos limites da lei, do partido e por nós estabelecidos.”
Sobre as despesas da assessora, afirmou que ela utiliza o aplicativo na maior parte do tempo em que ambos precisam. “Inclusive com o meu cartão, e tem total liberdade para utilizar em nossas agendas, reuniões e compromissos desde que não ultrapassados os limites de gastos.”
Os valores elevados com alguns trajetos são atribuídos ao fato de a assessora ter se mudado para Brasília e residido no Gama, cidade-satélite do Distrito Federal. “Reitero que os gastos altos de aplicativos não ocorrem mais.”
Gonzalez não se manifestou sobre o reembolso do gasto da assessora para ir a um shopping de Brasília, em um domingo. Ele afirma ser um dos primeiros gabinetes a ter uma consultoria de compliance [cumprimento de normas] e a pagar uma consultoria técnica de gestão e resultados e uma empresa responsável pela comunicação do gabinete.
“Quanto às passagens, a soma que é indicada pela Câmara agrega valores de passagens já voadas e outras futuras, optamos por efetuar a compra de certas passagens com antecedência para aproveitar melhor os preços.”
Em nota, Vinicius Poit (SP) diz que somente as suas passagens aéreas são reembolsadas, mas não as dos assessores.
“Sempre prezamos pela compra das passagens nas tarifas mais baratas, nos horários mais baratos, por isso, somos um dos gabinetes que menos gasta com passagens aéreas. Também nos programamos para comprar as passagens com antecedência, por respeito ao dinheiro público.”
O aluguel do coworking, diz o parlamentar, ocorre porque três de seus assessores parlamentares ficam em São Paulo.
Gilson Marques (SC) afirma que os gastos com a “Gazeta da Tarde” referem-se a “serviços prestados de produção de conteúdo para o gabinete do deputado, desde o início do mandato.”
Segundo o deputado, as duas notas citadas referem-se aos serviços prestados em fevereiro e março.
“A escolha levou em conta o custo-benefício e o alinhamento ideológico, já que estão alinhados com as ideias do partido Novo. Critérios geográficos não foram considerados, pois o serviço prestado é totalmente online”, indica o comunicado.
O parlamentar nega que o contrato seja uma forma de financiamento ao portal citado e “configura-se tão somente como prestação de serviços específicos e qualificados.”
Da FOLHAPRESS